Las Barras Bravas
Argentinas
Crescimento sem controle
As barras bravas começaram a operar na
Argentina com a anuência dos clubes, explica o jornalista Miguel
Angel Vicente, do Clarín. Eram usadas pelos dirigentes para ganhar
votos nas eleições.
Nos últimos 30 anos, porém, elas foram crescendo
e acumulando poder econômico. Passaram a controlar os
estacionamentos, os trapitos [guardadores de carros] e a venda de
drogas nos clubes, completa.
“À medida que ganharam poder, as barras
bravas desafiaram os próprios dirigentes que permitiram seu
crescimento”, diz Vicente.
Há o caso do clube Platense, da 3a divisão: em
2009, os barras ocuparam a lanchonete durante meses e forçaram
a renúncia do secretário-geral, Mario Spinelli.
Em janeiro de 2012, membros da barra brava do
Nueva Chicago entraram no hospital Santojanni, em Buenos Aires, para
vingar um companheiro morto numa briga com uma facção inimiga. Eles
perseguiram o suposto assassino, que havia ingressado com ferimentos
no abdômen, depredando os corredores. Invadiram, inclusive, a sala
de parto.
O ataque ao Santojanni revela a nova cara das
barras bravas
“Há 30 ou 40 anos, elas brigavam contra
torcedores de outros clubes. Hoje, a briga é interna: facções da
mesma barra brava disputam os negócios”, diz Vicente.
Foi o que ocorreu em 2007, quando um confronto
entre facções da barra brava do River Plate resultou na
morte de Gonzalo Acro, de 29 anos.
“As brigas de paus e facas também mudaram.
Agora eles usam armas de fogo e estratégias de guerra, como
emboscadas”, completa Vicente.
O perfil dos líderes
O jornalista argentino Gustavo Grabia,
especialista em violência no futebol, afirma que as barras bravas
argentinas agem com um grau de impunidade que não se vê em lugar
nenhum do mundo.
“As barras bravas estão muito envolvidas
na estrutura de poder político e sindical”, diz Grabia, que
trabalha no diário Olé e na rádio Mitre. “Líderes como Rafael
Di Zeo [ex-chefe de La 12, barra brava do Boca Juniors] são
defendidos por advogados importantes, que nunca poderiam contratar
sozinhos.”
Em julho passado, Di Zeo foi absolvido do crime de
“associação ilícita” - semelhante a formação de quadrilha.
Logo depois, afirmou aos jornais que trabalhou para o kirchnerismo
nas eleições de 2011.
“Sou peronista de Perón. Não tenho problema em
dizer que trabalhei para o kirchnerismo da província [de Buenos
Aires] nas últimas eleições”, disse.
“Declarações como a de Di Zeo já são tidas
como algo natural na Argentina. É natural que os barrabravas
trabalhem para a política”, diz Muñiz. “Você vai à Assembleia
Legislativa da Cidade de Buenos Aires e um dos seguranças é um
barrabrava.”
Casos como esse mostram que o perfil dos líderes
das barras também mudou nas últimas décadas. Até meados
dos anos 90, quem mandava era o sujeito mais violento da
arquibancada. Distribuir murros e tiros era fundamental para ser
chefe.
“Hoje, o líder é o que tem maior quantidade de
contatos políticos, policiais e judiciais”, diz Grabia. “No
Boca, a pessoa mais violenta que vi foi o uruguaio Richard William
Laluz Fernández. Ele nunca conseguiu ser líder, porque não tem os
contatos de Di Zeo e Mauro Martín [atual líder], nem a mesma
capacidade para gerar negócios.”
As barras bravas também têm seus códigos.
São organizações estratificadas em que só os líderes dão
declarações.
“São códigos de organização. Mas não vejo
código de lealdade, como eles pregam. As traições são frequentes,
sobretudo por dinheiro.”
Vítimas da violência
Em 1995, o argentino Daniel García viajou a
Paysandú, no Uruguai, para assistir a um jogo entre Argentina e
Chile pela Copa América. Tinha 19 anos.
Após a partida, um grupo de barras dos
clubes argentinos Tigre e Morón atacou as vans onde estavam
torcedores dos times Platense e Defensores de Belgrano. Atiraram
paus, correntes e garrafas. Daniel desceu da sua van para ver o que
acontecia e foi agredido.
“Daniel recebeu três punhaladas, uma delas
certeira na aorta. Ficou 30 minutos sem ter assistência médica e
morreu de hemorragia”, diz Liliana Suárez, sua mãe.
Desde então, Liliana busca justiça. Fundou a
associação Familiares de Vítimas da Violência no Futebol (Favifa)
e hoje preside a ONG Salvemos Al Fútbol (SAF).
Durante anos, Liliana e o marido não tiveram
acesso ao processo porque os juízes alegavam “segredo de justiça”.
Ela foi sozinha aos clubes para buscar informações e achar
testemunhas, inclusive o motorista da van.
“Mas os agressores tinham o amparo e a proteção
de políticos. Os barrabravas de Morón pertenciam a um grupo
de choque de um ex-prefeito da cidade, Juan Carlos Rousselot. E os de
Tigre eram trabalhadores municipais”, recorda.
Norma Roldán viveu o mesmo drama.
Em 2006, seu filho Matias Cuesta, 18, tomou um
ônibus com os amigos para ver um jogo entre seu time, Atlanta, e
Flandria. Mas o veículo estragou no meio do caminho, e os garotos
decidiram voltar para casa de trem. Ao chegar à estação Caballito,
20 barrabravas do clube Talleres de Córdoba atiraram pedras
contra os vagões.
“Meu filho recebeu duas pedradas na cabeça e
caiu no chão desmaiado. Os barrabravas o golpearam até
deixá-lo inconsciente”, diz Norma. “A polícia dispersou os
agressores e deixou-os ir embora. Nem sequer tomou declarações dos
amigos que viajavam com ele. Meu filho morreu uma semana depois no
hospital. A causa foi arquivada e até hoje ninguém foi preso.”
A impunidade das barras bravas também
atingiu a família de Daniel Agustín Souto. Em 1985, seu filho
Daniel Alejandro Souto, 20, foi assassinado após um jogo entre
Racing e Banfield no estádio do Boca Juniors.
“Depois da partida, a barra brava do
Racing saiu acompanhada pela polícia para o lado da avenida
Almirante Brown, para que não se encontrasse com a barra brava
do Boca, que a esperava com paus e armas de fogo numa praça ali
perto por causa de antigas divergências”, diz Souto. “Ao saber
disso, os barrabravas do Boca ficaram com tanta raiva que
atacaram as pessoas inocentes que andavam pela rua para voltar a
casa. Meu filho recebeu um disparo.”
Souto tampouco teve acesso à investigação e
saiu por conta própria em busca de pistas dos agressores.
“Trabalhei como detetive para encontrar o
assassino de meu filho”, diz ele. “Entrei nos conventillos
[casas antigas do bairro] em plena madrugada para tentar saber
informações. Mas o assassino estava muito bem encoberto.”
Uma das testemunhas do crime, conhecida como La
Chumba, disse que viu Daniel caído no chão pedindo ajuda.
“Ela me disse que a matariam se saísse na rua
também”, lembra o pai. “Voltei outro dia para ver se conseguia
mais dados. Mas ela disse que a haviam ameaçado por falar comigo.
Acabou se mudando de La Boca.
Imagem: http://www.gringoinbuenosaires.com/barras-bravas-argentine-soccer/
FONTE :
www.barrasbravasarg.net
André Guilherme
Pereira
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